Sentou-se no banco do jardim, cruzou as pernas, abriu o jornal e percorreu com olhos preguiçosos os títulos das notícias. Os ponteiros do relógio moviam-se lentamente, a ansiedade acorrentava pesadas bolas de ferro aos pés dos segundos. Observou pela centésima vez a esquina onde clientes apressados entravam e saíam da porta principal da agência bancária. Ela viria? Se viesse era por lá que surgiria, cabelos loiros soltos ao vento, calça jeans, camiseta branca, tênis, óculos escuros protegendo da claridade excessiva da tarde os profundos olhos azuis. Não! Deixasse de besteiras... A juventude esfumara-se, e ela era quase uma senhora. Transcorridos tantos anos resolvera procurá-la. Localizara-a no Orkut e através de e-mails a convencera a se encontrarem naquela praça interiorana, onde ambos – crianças – brincaram com dezenas de outros meninos e meninas. No coreto a banda tocava, os adultos passeavam, cumprimentavam-se e combinavam negócios para a manhã seguinte, enquanto os familiares contemplavam a fantástica dança das águas coloridas da fonte iluminada. Numa noite daquelas, atrás de uma grande árvore de copa florida, beijara-a pela primeira vez. Jamais esquecera a doçura daqueles lábios, o encanto daquele instante – as estrelas brilhando intensamente no manto negro da noite, o som da música diminuindo, transmudando-se em completo silêncio, e tudo, pessoas, árvores, flores, os desenhos geométricos das calçadas, feitos com as pedras de basalto pretas e amarelas, tudo, tudo desaparecera, num passe de mágica. Quanto durara o feitiço daquele inocente toque de lábios infantis? Dez, vinte, trinta segundos? Não, para ele durara a vida inteira. Lembrava-se do dia da despedida: a família dele precisara mudar-se inesperadamente. Seu pai fora promovido à gerência de uma loja de tecidos, na capital. Em um piscar de olhos, assim, sem mais nem menos, da pequena cidade interiorana para a agitada metrópole paulistana. Tão logo soubera da novidade, correra a casa dela para contar-lhe. Ela chorou, ele chorou – choraram os dois, abraçados. Prometeu escrever-lhe dez, cem, mil cartas, e ela, por sua vez, respondê-las, cada uma delas. O tempo passou, em forma de dias, semanas, meses, anos, décadas. Duas existências separadas pela correnteza do indiferente rio que arrasta os míseros destinos humanos. E agora lá estava ele, de terno, impaciente, aguardando. Ela viria? Estava atrasada quase duas horas. O pipoqueiro curioso olhava para ele: o que fazia aquele senhor de cabelos brancos, andando de um lado para o outro, sentando-se e levantando-se incontáveis vezes do mesmo banco de jardim, fingindo ler um jornal já todo amassado pelo nervosismo das mãos inquietas? A tarde finalmente morreu e o luto da noite envolveu o horizonte, o céu sobre as cabeças, os cantos escondidos, os corredores esquecidos. Retornou ao hotel, subiu ao quarto, arrumou a mala, pagou a conta e partiu em direção à estação ferroviária, fria e deserta. Subitamente, o monstro de ferro cuspindo fumaça, parou ao seu lado. Antes de subir no vagão, ainda na esperança de vê-la, olhou para a ruazinha de paralelepípedos molhada pela chuva fina. O maquinista apitou e o trem partiu, arrastando-se solidão adentro. Ela não veio.
PROF. GILBERTO TANNUS
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