segunda-feira, 2 de maio de 2011

Lembra-se

Com a permissão do amigo leitor, tomarei a liberdade de transformá-lo em cobaia de um experimento relativo à percepção existencial da realidade. Não, não se assuste. Não pretendo serrá-lo ao meio. Será rápido e indolor. Peço-lhe apenas que responda a esta simples pergunta: você ainda se lembra do massacre da escola Tasso da Silveira, no Rio de Janeiro, no qual 12 crianças foram mortas com tiros na cabeça por um psicopata? Aposto que nem pensava mais nisto, não é mesmo? Não que houvesse deslembrado de tão trágico acontecimento, porém, decerto, já o havia atirado no fundo do porão das lembranças relacionadas aos fatos de somenos importância que lemos ou assistimos cotidianamente nos noticiários.
Caso o interessasse poderíamos ir atrás de mais informações sobre o assunto, acumuladas pelos repórteres que investigaram a vida do assassino, das vítimas e de seus pais e mães, inconformados com a perda do ser que mais amavam. Se mesmo assim a curiosidade do leitor não fosse saciada, quem sabe conseguiríamos ter acesso a um ou outro diário de uma das alunas que agora apodrecem debaixo da terra, sob a lápide de um túmulo comum, revestido de cimento e pintado com látex rosa? Em suas páginas encontraríamos a descrição ingênua de sonhos, medos, alegrias, tristezas, e reflexões sobre os sentimentos não correspondidos com o aluno novo, da sala ao lado, etc.
Viu quanta coisa existe ao redor de um acontecimento ocorrido em uma distante escola municipal do Rio de Janeiro? E note, somados todos esses detalhes eles não significam nem uma gota de água se comparados ao oceano de ilações que poderíamos induzir das circunstâncias correlatas e sincrônicas ao evento em questão.
Todavia, voltemos ao experimento por mim proposto. Perguntei-lhe, leitor, se as recordações pessoais sobre o fato já haviam desaparecido de sua mente. Se isso ocorreu, não é porque o amigo seja um criminoso em potencial, um crápula comunista, ou uma outra criatura semelhante, sem nenhum sentimento fraternal ou solidário com o próximo. Não. A causa é a aceleração contínua e desordenada de nossas vidas na era da informatização e da mídia digital. Tomamos conhecimento, em tempo muito curto, todos os dias, durante a semana toda, meses a fio, ano após ano, de bárbaros assassinatos, de execuções cruéis, etc. Qual o efeito do noticiário destes crimes sobre nossas emoções, sentimentos, visão de mundo, mente e alma? Ora, psicologicamente nos habituamos a estes fatos terríveis, aceitando-os como normais.Banalizamos a violência. Não mais nos revoltamos, não nos indignamos, não nos chocamos ao presenciarmos uma anciã ser agredida pelo próprio filho que lhe rouba a aposentadoria para comprar drogas.
O que achou o amigo leitor do experimento? Repitamo-lo. Lembra-se do pequeno João Hélio Fernandes, de seis anos, que em fevereiro de 2007 foi arrastado por quilômetros pelas ruas do Rio de Janeiro, preso pelo cinto de segurança, fora do automóvel roubado violentamente de sua mãe? Sim? Não?
Meu Deus! Transformamos o mundo em uma jaula, vivemos à mercê de feras selvagens e nada fazemos para mudar isso...
PROF. GILBERTO TANNUS

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