segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A volta

Caminhava entre os túmulos, confuso. Perdera a noção do tempo. Há uma hora, duas ou mais, perambulava entre humildes sepulturas de cimento pintadas com cal e luxuosos mausoléus revestidos de mármore. Exausto, a camisa completamente molhada pelo suor, sentara-se em um monte de tijolos para descansar, enquanto observava o pedreiro assentá-los, em simetria perfeita, fixando-os contra a terra úmida das paredes de uma cova recém-aberta.
Recebera um telegrama de um advogado informando-lhe que sua tia falecera, solicitando-lhe que viesse tomar posse dos bens que lhe deixara – último parente vivo. Quando fora embora em busca de uma nova vida na cidade grande, jurara a si mesmo jamais retornar àquela cidade que só lhe trouxera desgostos. Ademais, sabia que a tia Madalena de seu possuía apenas uma casa antiga, caindo aos pedaços, comprada pelo marido com o resgate do fundo de garantia. Não, não fora a irrisória herança que o fizera voltar. Havia noites em que não conseguia dormir, pensando nos dias de moleque, vividos na distante e quase esquecida cidadezinha de Pedralina. Saía de manhã pelas estradas de terra, levando um pedaço de pão com manteiga no embornal – o estilingue nas mãos. Certeiro, não errava uma única pedrada sequer. Trazia dezenas de pombas, mistura da janta. A mãe fritava as aves no fogão de lenha, e ele percebia como seu pai o olhava disfarçadamente, cheio de orgulho, como se dissesse: “Êita moleque porreta!”.
Nadava tardes inteiras no rio que corria atrás da venda do seu Inácio, águas limpas, transparentes. Podia-se enxergar a areia dourada no fundo do leito, ou sentir sua aspereza na sola dos pés. Nos meses de chuva era um Deus nos acuda. Sua mãe o prendia em casa, portas e janelas trancadas, ameaçando contar ao pai caso insistisse em mergulhar na correnteza que passava, lentamente, profunda, misteriosa, assustadora – forte o bastante para afundar os pequenos barcos dos pescadores que moravam em suas margens.
Sentia saudades das festas da gente simples do bairro pobre. A fogueira de São João, os balões que subiam, perfurando com sua luz a escuridão da noite sem estrelas. A sanfona de seu Tomé, marcando os passos do povaréu que dançava, alegre, a quadrilha. Todos eram miseráveis, não tinham um gato para puxar pelo rabo, no entanto, arranjavam amendoim, açúcar, farinha de trigo, etc., e preparavam uma mesa farta de doces caseiros.
Por isso tudo resolvera aproveitar a semana de férias que seu patrão lhe dera e retornar a Pedralina, acertar a papelada da tia, dar uma olhada aqui e ali, ver o que tinha ou não mudado. A cidade crescera, demais. O cemitério agigantara-se, as cercas de madeira foram substituídas por um muro alto, de pedra, e o número de sepulturas centuplicara. O gerente do hotel garantira-lhe ser fácil encontrar os túmulos que pretendia visitar. Perguntasse ao senhor Lopes, o encarregado. Acontece que o senhor Lopes, precisamente naquele dia, faltara ao serviço. E lá estava ele, cansado, suado, perdido. Sim, perdido. Sem seu pai, sua mãe, seu estilingue, sem rio, sem festas de São João, sem balões iluminados, sem quadrilhas, sem doces, sem nada. O nó na garganta, o aperto no coração, no fundo do peito a angústia a lembrarem-lhe a dolorosa verdade: morrera também...
PROF. GILBERTO TANNUS

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