segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Douglas Jr., o Neguinho



1 – Li, na “Folha de S. Paulo”, que morreu um dos integrantes do conjunto “Nilo Amaro e seus cantores de ébano”, que fez muito sucesso, na década de 60. Ele nasceu em Taquaritinga, e se chamava Douglas João de Almeida, mas era conhecido por “Neguinho”. Muitos se lembram dele, porque foi dono do “Bar da Toca”, defronte ao Clube Imperial, antes de ir para São Paulo tentar a vida artística. Foi uma das melhores pessoas que conheci na minha vida.

2 – Minha família morava no bairro Faroeste, quando lá apareceu um menino negro, pobre, sorridente. Logo, pegou o apelido de “Neguinho” e minha mãe já fez com que ele se sentisse da família. Morava na Vila Rosa, apenas com a avó, sendo órfão de pai de mãe. Mesmo assim, fazia a alegria da turma. Depois, mudamos para o bairro do “Bom Retiro”, e o “Neguinho” nos acompanhou. Aparecia toda manhã, para brincar, e mesmo sendo pouco mais velho de idade, tinha o mesmo espírito infantil de todos nós.

3 – Chefiava as brincadeiras e era o palhaço do “cirquinho” que ele organizava no quintal. Fazia todo o mundo rir, mesmo porque o sorriso era marca registrada dele. Uma vez, quando a cadeira elétrica estava no auge, nos Estados Unidos, resolvemos, com o consentimento dele, executar o “Neguinho”. Um moleque da turma que se chamava Sílvio Rodolfo Bertilacchi, tinha apelido, no começo, de “Chuquinha”, por causa do cabelo, mas depois ficou “Juquinha”. Ele não era gente, de tão peralta. Era um menino de grande pureza e inteligência, muito amigo. A mãe dele era uma costureira extremamente triste e bondosa, da família Benatti (d. Adélia).

4 – O “Juquinha” arrumou metade de uma lata de queijo “Palmira” (queijo do reino), redonda, de metal. Cabia direitinho na cabeça dos moleques. Colocamos o “Neguinho” numa cadeira, pusemos o “capacete” nele, mas havíamos feito um furo em cima da lata, e por lá passamos o fio elétrico que havia no quartinho dos fundos da casa (hoje se chama edícula), ao lado da lâmpada. Na hora da “execução”, quando íamos acionar o interruptor (acho que não aconteceria nada, sei lá), chegou meu irmão Tato Nunes, que era fã do “Neguinho”.

5 – O Tato deu um escândalo, embora fosse pequeno, gritou pelo pai e pela mãe, e quando os adultos chegaram, desmancharam a máquina letal. O Juquinha e os outros correram, como o Manoelito Curti. Eu levei uns pés-d’ouvidos. Quanto ao “Neguinho”, ria, sentado na cadeira. Senti muito a morte dele. Estava morando no Mato Grosso, em Juína, e morreu em Cuiabá. Depois que o conjunto em que ele cantava, profissionalmente, em São Paulo, acabou, ele não voltou mais a Taquaritinga. Senti, muito, a morte de uma das pessoas mais alegres que conheci, com um sorriso inconfundível, apesar de todas as dificuldades por que passou, principalmente na infância.

6 – Recebi uma carta linda do meu amigo de infância e juventude, o professor João Nucci. Como ele lê este jornal semanalmente, vou responder por esta coluna. Ele é irmão dos donos da ótima loja “Rei das Roupas Feitas”. Foi para Votuporanga, e por lá ficou, lecionando até se aposentar. Há uns anos, na mesma época do acidente de carro de que fui acometido, ele também foi vítima de um acidente vascular cerebral. Graças a Deus, nós dois nos recuperamos e estamos prontos para voltar a jogar futebol, nos campinhos da nossa época.

7 – Jogávamos em um terreno baldio, onde depois foi construído o prédio dos Correios (a única obra que o governo federal fez em Taquaritinga desde a fundação da cidade). Norberto Bonazzi, Zezé de Barros, José Domingos Costa, João Nucci, eu e muitos outros. Uma das características do João é que, se a bola viesse a 10 ou 20 cm do solo, ele rebatia de cabeça, não com os pés. Contou-me ele da sua vida e do orgulho de ter três filhos adultos, formados universitários. Sei como ele lutou. Na carta, ele relembra os amigos da época. Ao ler a correspondência, manuscrita com letra firme, depois do que ele passou, fiquei muito emocionado.

8 – Na década de 50, havia muito pouco piano em Taquaritinga. Algumas famílias, portanto, alugavam o instrumento, para reforçar o orçamento, naqueles tempos difíceis. Em casa, não havia piano, então, eu tinha de alugar, para praticar os exercícios. Uma família que alugava era de um tenente do Exército, que morava no largo da Santa Casa. Aluguei por uns meses. Depois, fui treinar na casa do Luís Casalli, que era pianista e gerente da Rádio Clube Imperial. Paguei por uns meses.

9 – Mas vou lembrar agora, com muita gratidão, de duas pessoas que não alugavam piano para ninguém e me deixaram praticar os exercícios, gratuitamente, na casa delas: dona Josefina Curti, quando minha família já havia se mudado para o bairro do Bom Retiro, e dona Isaura Molinari Goldbaum, nossa vizinha no Faroeste. Infelizmente, ambas falecidas. Dona Isaura, pessoa boníssima, morreu na semana passada, com quase um século de vida. Era viúva do respeitado comerciante Isaac Goldbaum, cujo armazém ficava na esquina da rua da casa onde eu morava, mãe da Sônia e da Zelda. Era irmã de outra pessoa que me marcou pela bondade: Albano Molinari. Os castelos e os sonhos da minha infância, aos poucos, vão se desfazendo. Ficam as lembranças. Que pena.

10 – Credo, gente, chega de tristeza. Até parece que sou palmeirense! Vou precisar ir ao bar do Gérson, o “Biliscão”, para dar risada com o Dirso Mantovani, com o Valdir do gás e todo aquele pessoal que não tem tristeza. Vou transcrever duas piadas horrorosas, para provocar os amigos do meu filho Marco Aurélio. Primeira. No convento. “As duas freirinhas acabaram de orar e foram se recolher para dormir. Uma diz: durma com Deus, no que a outra responde: fazer o quê, né?” Outra, mais infame: “Duas amigas se encontram. – Maria, é verdade que seu marido fugiu com a empregada? – É sim, responde a amiga. – Logo com a sua empregada... Como você ficou, amiga? – Na verdade eu não estou me incomodando nada... Eu ia mandar a empregada embora mesmo!”
FLANS

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