segunda-feira, 19 de julho de 2010

O poeta José Paulo Paes



Poeta, ensaísta, crítico literário, tradutor de prosa e, sobretudo, de poesia, José Paulo Paes faria 84 anos na próxima quinta-feira (22). Ele nasceu em Taquaritinga, em 1926.
José Paulo fez curso técnico de química e trabalhou por muito tempo em um laboratório farmacêutico. Teve uma longa experiência como editor.
Sua estreia na poesia foi em 1947, com o livro “O aluno”. Trilhou o caminho modernista, retomando a síntese formal e humorística de Oswald de Andrade.
Escreveu oito livros infantis.
Entre suas traduções estão poemas de Kaváfis, Auden, William Carlos Williams, Hölderlin, Éluard, Dickens, Auden, Rilke, Kazantzákis e um expressivo número de poetas gregos modernos e de outros tantos que, em grego, latim, alemão, francês, espanhol, italiano, provençal, frequentaram a vertente da poesia erótica.
Entre seus livros estão “Novas cartas chilenas” (1956), “Poemas reunidos” (1961), “Anatomias” (1967), “Meia palavra” (1973), “Canção de bodas” (1982), “A poesia está morta mas juro que não fui eu” (1988), “A meu esmo” (1995) e “De ontem para hoje” (1996).
José Paulo Paes ganhou o Prêmio Paulo Rónai da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Morreu aos 72 anos no dia 9 de outubro de 1998, vítima de um edema agudo do pulmão.
Taquaritinga prestou uma homenagem ao escritor colocando o nome dele na Biblioteca Municipal, que antes de chamava Macedo Soares. (Com informações do Jornal do Brasil)


RELEIA REPORTAGEM DE AUGUSTO NUNES

O MENINO QUE NASCEU NA LIVRARIA

Um poeta reconstitui o difícil caso de amor com o lugar em que nasceu



Na parte da frente da casa ficava a livraria. Era a única do lugar, orgulhava-se o avô materno, um português que chegara ao Brasil com a República e se instalara no começo do século naquele grotão desbravado por caboclos paulistas e atulhados de imigrantes italianos. Nos tempos de Floriano Peixoto, sobrevivera como bombeiro e soldado. Depois, fora tipógrafo e dono de jornal em Ribeirão Bonito. E enfim se mudara para Taquaritinga, onde fundou a livraria, papelaria e tipografia J.V. Guimarães.
O nome cintilava na placa pendurada numa das portas que davam para a Rua do Comércio, a mais importante da cidade de 4 mil habitantes. Ali nasceu, em 22 de julho de 1926, José Paulo Paes, neto do dono da casa e do estabelecimento comercial. Ele saberia anos mais tarde que ninguém nasce numa livraria por acaso.
"Não acredito que o futuro de alguém possa estar escrito com antecedência na configuração das linhas da mão ou dos astro do céu", diz na abertura de Um poeta como outro qualquer. "Mas não posso deixar inteiramente de lado a ideia de o local do nascimento ter influído nos rumos da minha vida. Pois nasci numa livraria."
Ele veio ao mundo entre estantes e velhas impressoras, informa essa biografia resumida, incluída em 1996 na coleção Quem, eu?, reeditada pela editora Saraiva. Além do avô, também o pai, outro português que não passara do curso primário, fora dono de jornal no interior de São Paulo.
Tamanha convergência de singularidades afins anunciou a chegada de alguém nascido sob o signo da palavra. Um poeta como poucos. Um excelente autor de ensaios e livros infantis. Um excepcional recriador de poemas escritos em idiomas impenetráveis – grego antigo, por exemplo. Um notável intelectual brasileiro, morto em outubro de 1998.
O menino morou naquela casa até os 11 anos. A casa habitaria o poeta para sempre. Sessentão, José Paulo teve "um sonho estranho". O episódio é narrado no livro de memórias. "Sonhei que era um menino voador que fora pousar, feito passarinho, no teto da velha casa, para de lá ficar espiando o que se passava dentro dela. Escrevi então um poema a que dei o título de A casa." Os versos, belos e fantasmagóricos, estão em Prosas seguidas de Odes mínimas, publicado em 1992:
Vendam logo esta casa, ela está cheia de fantasmas. / Na livraria, há um avô que faz cartões de boas-festas com corações de purpurina. / (...) Na sala de visitas, um pai que lê romances policiais até o fim dos tempos. / No quarto, uma mãe que está sempre parindo a última filha./ (...) Na copa, uma prima que passa a ferro todas as mortalhas da família./ (...) No quintal, um preto velho que morreu na Guerra do Paraguai rachando lenha./ E no telhado um menino medroso que espia todos eles; só que está vivo: trouxe-o até ali o pássaro dos sonhos./ Deixem o menino dormir, mas vendam a casa, vendam-na depressa./ Antes que ele acorde e se descubra também morto.
No universo íntimo de José Paulo Paes, a casa tornou-se mais pulsante enquanto agonizava. Ficou muito mais viva ao ser demolida. E pareceu mais tangível depois que o tempo levou a livraria, os quartos com tantos fantasmas, o quintal em que o menino reinava.
"Angustiava-me ir a Taquaritinga para assistir a enterros", revela. "Com o desaparecimento dos parentes e da casa, a cidade de minha infância desapareceu. Por isso eu não pude mais voltar. Como voltar, se as cidades são no tempo, não no espaço? Se tentasse voltar, quem iria reconhecer, quem iria me iria reconhecer?", pergunta-se o poeta. A busca das respostas inspirou Taquaritinga, de 1988.
Eu tinha 11 anos quando vi José Paulo Paes pela primeira vez. Frequentava a casa para o curso de admissão ao ginásio com a professora Fernanda Guimarães Paes Favalli, sua irmã caçula. Ela me informou que o moço ensimesmando era poeta. Fiquei curioso: nunca vira nenhum. Anos mais tarde, ao conhecê-lo de perto, entendi que o silêncio fabricava versos como os de Taquaritinga.
Nas ruas em pé
Eternas namoradas
Me espreitam
Cidade: no jardim a fonte insiste em jorrar
Suas águas luminosas.
Só que me falta a sede.
Cidade: no jardim a fonte
Insiste em jorrar
Suas águas luminosas
Só que me falta a sede.
Cidade:
Agora nem as pedras me conhecem.
Nem as pedras nem as gentes. A cidade sempre ignorou o filho que a deixara tão cedo para estudar em outras paragens. José Paulo Paes publicou 11 livros de poesia. Não chegam a tanto os taquaritinguenses capazes de declamar 11 versos do conterrâneo admirável. Escreveu 8 livros para crianças. Nenhum circulou por escolas do lugar.
A cidade nunca soube que o poliglota autodidata também nasceu ali. O menino da livraria tinha 9 anos quando aprendeu a ler jornais. Entusiasmado, disse a um amigo adolescente que estava pronto para qualquer leitura.
"Mesmo se for em francês ou inglês?, retrucou o amigo em tom zombeteiro. José Paulo aceitou o desafio. Aprendeu francês, inglês, latim, alemão, espanhol e grego antigo.
A reaproximação entre a cidade e seu filho mais brilhante foi ensaiada em 2002. O nome do poeta rebatizou a Biblioteca Municipal José Paulo Paes. A paz será afinal celebrada entre 24 de julho e 4 de agosto. Taquaritinga festejará os 80 anos do seu nascimento com a 1.ª Semana José Paulo Paes. Fernanda contará a vida do irmão. Poemas impressos serão distribuídos durante os eventos. Demorou, mas a cidade descobriu o que estava perdendo.
O menino da livraria está voltando para casa.
AUGUSTO NUNES
Publicado do Nosso Jornal em 15 de julho de 2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário