“Razão tinha aquele que disse que Deus, é o silêncio do universo, e o homem o grito que dá sentido a esse silêncio. Acabe-se o homem e tudo se acabará.” José Saramago
Para José Saramago não se escreve um necrológio, muito menos deve-se louvá-lo ou incensá-lo para sua obra, por seu humanismo, por sua crueza no uso da palavra. Tenho certeza que ele próprio não gostaria muito de se ver assim retratado. Talvez o que menos Saramago quisesse, e isso ele os fez com primor, era fazer da palavra, da escrita, o caminho para se trilhar a gloria de uma imortalidade que assim o conceberia e desejada por qualquer um de nós seres comuns. Pergunto: Quando o escritor, o homem autoexilado Lanzarote nas ilhas canárias, assim não o foi? Seu grande problema, sua grande inquietação que ele próprio relatou quando do lançamento de sua obra Caim, hoje torna-se mais presente, diante de um mundo que diz conciliar o amor, a humanidade o sentimento de pertença, cada vez mais, produzindo morte destruição exclusão e discriminação muitas vezes, In dominus dei. Remando contra toda corrente neoliberal ou vazia da pós-modernidade, que ao matar Deus, nos deixou mais perdidos, Saramago evocou o comunismo em seu sentido digamos, “mais utópico possível”, considerando que o momento em que vivemos não os permite pensar em utopias. Superado para alguns, incompreendido por instituições, seu legado se fez presente na forma como viveu e tentou se reconhecer enquanto Ser, como alguém que ainda acreditava, e tinha fé. Mas fé, Deus, e humanidade foram estas as questões com que Saramago mais lutou ao tentar responder. Tento identificar este desafio lembrando de duas obras que foram marcantes em meu contato com o único Prêmio Nobel de Literatura da língua portuguesa: Todos os nomes e Memorial do convento. Em Todos os nomes, concluímos a leitura com a sensação de que o homem que pacientemente cuidou de arquivos durante toda sua vida, perdeu sua identidade. E a sua luta para reencontrá-la, por meio do desejo de conhecer uma mulher que ainda o prenda aos laços de fidelidade à vida, é o que mais nos instiga, no sentido Kafkaniano da palavra. Em Memorial do Convento, a troca de um herdeiro para o trono português, em função das construção de um convento em Mafra se entrecruza às idas e vindas de seus personagens, em permanente luta para não se petrificarem, se institucionalizarem, deixarem praticamente de existir como a mera construção nada humana deste convento.
A capacidade de Saramago em recontar o contado, o escrito, foi a que gerou maior polêmica em sua obra. O evangelho segundo Jesus Cristo, foi a obra em que Saramago deixou falar mais alto o homem Jesus, e não a divindade Jesus Cristo, a ele atribuída como também a muitas outras pessoas são atribuídas o peso de uma divindade e as consequências desse atributo. Seu Jesus é homem, e Saramago também é homem. Sem apelar para a heresia, ou entrar na discussão teológica, Saramago apenas quis nos fazer recordar, que somos nada, apenas pó, o mesmo pó que lembramos na celebração católica das cinzas e a mesma que ele assim tornou-se quando surpreendemente na última sexta-feira cessou sua interminável busca em saber que ele era, e quem é aquele que chamamos Nós.
Paulo César Cedran é Mestre em Sociologia, Doutor em Educação Escolar pela Unesp de Araraquara, Supervisor de Ensino da Diretoria de Ensino – Região de Taquaritinga, Docente do Centro Universitário Moura Lacerda de Jaboticabal e Uniesp - Taquaritinga.
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