segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Crônica de uma tragédia anunciada

Há algo de muito errado no modo como os urbanistas projetam o crescimento físico das cidades brasileiras. Projetam? De araque sanfona. Os Planos Diretores, cuja função seria orientar o desenvolvimento dos municípios, prevendo e impedindo o surgimento de graves problemas, mostraram que funcionam mesmo. No papel. Na prática as coisas seguem o ritmo do samba do crioulo doido. A improvisação – os amigos leitores desculpem-me o termo – abunda.
Basta chegar janeiro, mês de chuvas intensas, e tem início o trágico espetáculo das enchentes, dos alagamentos, do desabamento de serras e morros e das centenas de vítimas. “Ora”, dirão os imbecis, “isto acontece em todos os países”. Concordo. Até aí morreu o Neves. No entanto, as autoridades daqueles países não ficam de braços cruzados. Sabendo que o incidente ocorrerá novamente, tomam as providências necessárias para impedi-lo. No Brasil o que as autoridades (in)competentes fazem? Nada. Querem apostar que no próximo ano cenas idênticas às que estamos assistindo nos noticiários se repetirão? Há quantas décadas as enchentes inundam as ruas da cidade de São Paulo? Bairros tomados pelas águas, automóveis levados pela enxurrada, pessoas morrendo afogadas em córregos ou sendo arrastadas pela forte correnteza para o interior do túmulo sombrio das galerias fluviais. No Rio de Janeiro casas despencam dos morros, destroçadas pelo peso de toneladas de lama. Anciãos, adultos e crianças morrem sufocados pelo barro, asfixiados lentamente. Até agora temos quase setecentas vítimas fatais e milhares de feridos, com fraturas, amputações, etc. Estou sendo exageradamente realista? Aviso-lhes que ainda nem apontei o lápis. Os leitores impressionáveis tirem as crianças da sala ou mudem de canal.
Mais. Como sou metódico, começarei pelo começo – com pleonasmo e tudo. Eis a pergunta que não quer calar: quem autorizou a construção de casas nas encostas dos morros? Nenhum engenheiro, mesmo que sociopata, assinaria o projeto de uma edificação naquele tipo de terreno, que não oferece as mínimas condições de segurança. Por que então as autoridades (in)competentes, os funcionários públicos responsáveis pela fiscalização das obras no município, permitiram que as mesmas fossem realizadas naquele local? Moral da história: é cômodo fechar-se os olhos para irregularidades, desde que elas não coloquem em risco nossa vida e a de nossos familiares.
Sei que o flagelo que se abateu sobre o Rio de Janeiro também atingiu bairros cujas residências, ao serem edificadas, obedeceram às especificações legais. E é isto que reforça meu argumento. Se em áreas devidamente aprovadas pelos engenheiros tais catástrofes acontecem, imaginem naquelas invadidas pelos moradores, onde tudo é “arranjado” às pressas, desde o alicerce fragilíssimo até o “gato” na rede de transmissão de energia elétrica.
Desde sua fundação, em 1565, a cidade do Rio de Janeiro foi improvisada. Originou-se de um forte projetado por Estácio de Sá enquanto lutava contra os franceses. Depois se expandiu, seguindo o “jeitinho brasileiro”. Ou seja, ao Deus dará. O resultado? Ei-lo: a crônica de uma tragédia anunciada.
PROF. GILBERTO TANNUS

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