segunda-feira, 5 de julho de 2010

A navalha e o mudinho

A história de hoje aconteceu em 1978, no salão do Nelson Silvestre. Sua barbearia ficava na Rua Campos Sales, em frente ao Banco Itaú. Um surdo-mudo vinha sempre a Taquaritinga, e gostava de ficar na Praça 9 de julho, que hoje leva o nome do saudoso ex-prefeito Horácio Ramalho, no bar Ki-Lanches e na Caixa Econômica Estadual, onde abordava as pes-soas para pedir ajuda.
O pessoal ali do pedaço começou a desconfiar do sujeito. Achava que ele não era deficiente coisa nenhuma, fazia aquilo por pura malandragem.
Um sábado à tarde, o rapaz parou na porta do salão e, com sinais, perguntou quanto custava para fazer a barba. O Nelson o mandou entrar e disse que não cobraria nada pelo serviço. O homem esperou algum tempo, até que chegou a sua vez. Sentou-se na cadeira, o Nelson colocou um pouco de espuma em seu rosto, pegou uma navalha cega, que mais arrancava do que cortava. Começou a sessão de tortura.
Na primeira navalhada, o rapaz quase falou. Em seguida, colocou a lâmina na costeleta e desceu arrancando tudo até o queixo. O mudo dava sinal que já estava bom, mas o barbeiro continuou raspando seu rosto até ficar vermelho igual a um purê de tomate e queimando feito brasa. Depois, virou a cadeira contra o espelho, pegou um vidro de álcool 96 graus e jogou com tudo sobre a pele super-irritada do cidadão. Ao receber o jato, soltou um tremendo grito: Virgem Nossa Senhora!
– Chamem a polícia para prender esse malandro – gritou um dos fregueses.
O pilantra deu um salto da cadeira, pegou a Campos Sales e em poucos segundos já estava dobrando a Rua Duque de Caxias. Como um foguete desapareceu. Graças à navalha milagrosa e ao álcool do Nelson, o falso surdo-mudo nunca mais voltou para enganar ninguém na cidade.
Angelo Bartholomeu é cabeleireiro – e gosta de ouvir e contar causos
Publicado no Nosso Jornal em 3 de julho de 2010

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