terça-feira, 4 de maio de 2010

Casa de Ricardo de Lucca está à venda


A memória do artista plástico, que
viveu entre 1904 e 1998, segue
esquecida pela cidade que
ele tanto amou


NATALIA GALATI

A casa em que viveu o artista plástico Ricardo de Lucca está à venda. Nela, ainda há marcas importantes de sua obra, que incluem um quadro da Santa Ceia esculpida diretamente na parede da sala. Localizado na Rua Rui Barbosa, no centro da cidade, o imóvel é oferecido por R$ 100 mil.
A neta Maria Angélica de Lucca Contini diz ter entrado em contato com o prefeito Paulo Delgado (DEM) antes de instalar a placa. A esperança era que a Prefeitura adquiresse a casa para transformá-la em museu, uma homenagem ao homem que, entre outros feitos, construiu e embelezou a Igreja Matriz de São Sebastião.
A tentativa foi em vão. Não poderia ser diferente, na cidade que até hoje não soube reverenciar a memória do artista, um imigrante italiano que praticamente doou todas as peças que produziu com seu talento e habilidade incomuns. O esquecimento a que foi relegado, mais de 11 anos após sua morte, desagrada a família.
Um dos maiores artistas plásticos do interior do Estado de São Paulo, conhecido pela luminosidade marcante de suas obras, De Lucca viveu em Taquaritinga a partir de seus 17 anos de idade, quando chegou ao Brasil. Ele nasceu no dia 23 de outubro de 1904, em Corigliano Calabro, província de Cosenza, na Itália, onde passou a infância e o início de sua adolescência.
O artista possuía um espírito naturalmente clássico, que procurava a beleza contida na harmonia, no equilíbrio, no acerto e não na rebeldia.
Autodidata, o expoente da arte taquaritiguense foi o responsável pela edificação, em estilo gótico, da Matriz de São Sebastião. Além disso, ele também fez as 14 estações da Via Sacra, as colunas com frutas e os arcos. As portas foram entalhadas juntamente com o marceneiro João Ariolli.
“Os arcos da igreja eram tão grandes que os pedreiros que ajudavam meu avô achavam que não ia dar certo quando ele fosse tirar o molde”, lembra Maria Angélica, que recebeu a equipe do Nosso Jornal para um bate-papo na tarde de terça-feira (6). Ele ainda ajudou na construção de igrejas de Jurupema (São João Batista), Barrinha e Jaboticabal.
Foi por meio de livros e a inspiração nas obras de Leonardo da Vinci e Michelângelo que o escultor conquistou conhecimentos para a concretização do seu trabalho. “Meu avô gostava demais de ler livros, estava sempre procurando se atualizar, estudar, além de que muitas pessoas o procuravam para que ele ajudasse a fazer plantas de casas e para ensinar também na produção de esculturas”, afirma a neta.
“Ele teve o dom de Deus, sim, tinha as mãos de ouro, pois fazia as coisas com uma facilidade enorme. As pessoas ficavam apaixonadas. E como ele era um homem muito bom, acabava dando esculturas para as pes- soas que pediam”, explica. A matéria-prima para suas criações eram a madeira, a argila, o cimento e a cerâmica.
Em 19 de junho de 1930, Ricardo de Lucca casou-se com Elvira Rodolpho de Lucca, com quem teve três filhos – Thereza, Francisco Gabriel e João Batista – e 9 netos. O único filho vivo é Francisco, que mora em São José do Rio Preto.
Segundo Maria Angélica, quando o avô via um espaço livre na casa, em que pudesse fazer algo, ele não pensava duas vezes e já ia logo esculpindo. “Na varanda, é possível ainda encontrar o caboclo tocando viola, São Jorge enfrentando o dragão, entre outras esculturas”, conta. Lá também estão uma banhista nua, uma tourada (na parede), cães, gatos, cavalos, entre outras obras. Na fachada, projetam-se um cão em posição de caça e uma águia, tudo feito de cimento.
Como convém a um artista inventivo, Ricardo de Lucca era muito curisoso. Ao admirar uma pequena peça, não hesitava em pedir para fazer uma réplica, mas em tamanho maior. “Era muito engraçado: ele comprava a peça ou até mesmo pedia emprestado. E ele a transformava numa escultura grande”, conta a neta.
Em 13 de julho de 1998, Ricardo de Lucca partiu, aos 94 anos. O artista deixou um acervo notável, com esculturas espalhadas pela cidade e a região. Obras como o prédio do antigo Educandário Nossa Senhora da Consolação – hoje, Colégio Objetivo –, a primeira cadeia pública de Taquaritinga – na área do atual Fórum – e a escultura do Leão-símbolo do CAT, colocada no portão principal do Estádio Dr. Adail Nunes da Silva, o Taquarão.
Algumas peças de sua lavra, embora em exposição, estão deterioradas em razão do vandalismo. O Soldado Expedicionário, na Praça José Furiati, em frente à Santa Casa, e o Monumento ao Imigrante Italiano, na Praça Edwil Roncada (ao lado da rodoviária) carecem de restauro. A estátua de São Vicente de Paulo, instalada na entrada do Asilo de Taquaritinga, também foi De Lucca que fez.
Outra curiosidade do artista é que ele era muito procurado para fazer as imagens de santos patronos de propriedades rurais. “Cada sítio com um nome diferente, por exemplo, São Bento, São Antonio. Para cada um, ele fazia uma imagem e geralmente sem custo nenhum”, afirma a neta.
“O Pescador”, uma das obras que ficava na varanda, sumiu. Segundo a família, uma pessoa desconhecida parou a caminhonete em frente à residência e pediu para levar – o artista já não enxergava direito. Quando a filha percebeu, o veículo estava longe. Até hoje, não há notícia sobre a escultura, que o NJ fotografou em meados da década de 1990.
Ricardo de Lucca trabalhava ao som de óperas de Puccini, Mascanhi, Pavarotti, entre outros. “Meu avô era apaixonado pela música. Além disso, ele tinha uma mania: antes de todas as refeições, tomava um cálice de vinho seco”, relembra Maria Angélica. “Todos os dias praticava atividade física e ainda mandava a gente também fazer. Dizia que era bom para a autoestima”, completa.
A família De Lucca, bem como as pessoas que admiram a cultura e a história de Taquaritinga, esperam que a cidade se lembre da memória desse grande homem. “Minha mãe sempre dizia que gostaria que a praça da Igreja Matriz de São Sebastião tivesse o nome do pai dela, pois foi ele que fez a maior parte da igreja. Nos sentimos muito decepcionados.”
Publicado no Nosso Jornal em abril de 2010

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