segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A face incompreensível da Justiça

Em mais de uma década na profissão de Advogado, ao lado de meu pai (com a experiência de 40 anos) e meu irmão (e seus quase 20 anos de serviço), já me deparei com decisões judiciais incompreensíveis, que afrontam a lei, o bom senso, o Direito.
Recentemente, nos vimos diante de um caso que ultrapassou todos os limites, uma decisão interlocutória, isto é, proferida no decorrer do processo, em Agravo de Instrumento, se mostrou de uma infelicidade atroz, aviltou a dignidade humana.
Explico: Rosana, 23 anos, pobre, nascida em Rondônia e residente no Pará, foi diagnosticada com um agressivo câncer de pulmão. Valente, não se abateu, arrecadou um dinheirinho com vizinhos e parentes e veio ao “Estado mais rico da Federação” em busca do tratamento adequado, oferecido pelo conceituado Hospital do Câncer de Barretos. Estabeleceu-se em Taquaritinga por não ter conseguido se hospedar por lá.
Aqui, encontrou suporte satisfatório, acolhida pelos obstinados membros da Associação de Voluntários no Combate ao Câncer (AVCC), e iniciou sua batalha contra a maligna doença – disposta a continuar viva, não se curvou, não se acovardou, foi à luta.
Sem parentes na cidade, sem renda e sem nenhuma condição de trabalhar devido aos efeitos colaterais do severo tratamento, buscou o auxílio da Justiça no intuito de receber um Amparo Assistencial, uma ajuda governamental no valor de um salário-mínimo, previsto na Constituição Federal (art. 203), que deve ser pago pelo INSS.
Ingressamos com a ação no Fórum de Taquaritinga, munidos de atestados e relatórios médicos do Hospital de Barretos, que confirmam a doença, e de declaração da AVCC, que comprova seu estado de miserabilidade. O Juízo da 2.a Vara Cível compreendeu a gravidade e determinou ao INSS que pagasse, imediatamente, o amparo pleiteado. O termo técnico é “Antecipação da Tutela”. Vale dizer que se trata de uma decisão provisória, que pode ser revista a qualquer momento se a instrução processual mostrar que a requerente não faz jus ao benefício.
Os burocratas do INSS recorreram da decisão, através do mencionado Agravo, e o processo “subiu” ao Tribunal Regional Federal (TRF), com sede em São Paulo – precisamente num sofisticadíssimo prédio na Avenida Paulista. Surpreendentemente, uma “juíza federal convocada” acatou o pedido do Instituto e determinou a imediata revogação da decisão tomada pelo juiz de Taquaritinga. Uma desumanidade!
Rosana continua a contar com os serviços do Hospital do Câncer de Barretos, com a compaixão dos abnegados voluntários da nossa AVCC e com a solidariedade de taquaritinguenses anônimos, que a ajudam como podem. Só não pôde continuar contando com o apoio de seu País, aqui representado pelo INSS, cujo desamparo foi corroborado pela Justiça Federal, representada pela “juíza convocada”.
Minha indignação se justifica porque a desastrosa “ordem superior” que condenou a brasileira Rosana ao suplício e ao desamparo, num momento crucial, quando está travando uma verdadeira guerra por sua vida, desconsiderou princípios básicos da Constituição, expostos, de modo contundente, nas “cláusulas pétreas” (art. 1.o ao 5.o).
Vejamos: o artigo 1.o sacramenta que “A República Federativa do Brasil tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana”. O artigo 3.o esclarece: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...] III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos [...]”. O artigo 4.o estipula: “A República Fede- rativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II – prevalência dos direitos humanos”.
Ao abandonar a cidadã Rosana, a “juíza federal convocada” fechou os olhos à dignidade humana; desconstruiu a sociedade justa e solidária; deixou de erradicar a pobreza, contribuiu para a marginalização, fomentou as desigualdades sociais e regionais, negou-se a promover o bem; e virou as costas aos direitos humanos.
O processo está em curso, na expectativa de que Rosana sobreviva para ver seu País ao seu lado. Como Advogado do caso, sigo os trâmites judiciais, atento à lei, aprisionado à burocracia. Como cidadão brasileiro, exponho meu desabafo, faço uso de outro principio constitucional, previs-to no inciso IV, do artigo 5.o: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
LUÍS JOSÉ BASSOLI

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