segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Cai o pano

Estou com vontade de escrever uma peça de teatro. Há 30 anos redigi três delas. A primeira foi “Crepúsculo”, de cunho existencialista. Influência de Jean-Paul Sartre e Albert Camus. Embora eu tenha liberdade de escolher qual caminho devo seguir neste instante, a escolha que fizer determinará a direção de meus futuros caminhos. A cadeia férrea de causa e efeito limita minhas opções. Há acontecimentos que fogem ao nosso controle. Criei então um personagem que vivenciasse esse paradoxal sentimento de liberdade – liberdade, a bem da verdade, que arrasta uma bola de ferro presa ao tornozelo por uma corrente de aço. Esqueci-me do nome do personagem principal. A justificativa? Uma torrente incalculável de água correu debaixo da ponte de minha existência nessas três décadas. O que era importante para aquele jovem Gilberto, agora envolto nas sombras do passado, é hoje insignificante para o Gilberto adulto. Explico-me. Perdi a peça e dela não tenho cópia alguma. Os garotos que a encenaram em um festival de teatro promovido pela professora Marilda Peria também a perderam. Recordo-me que o personagem estava no cárcere, século XVI ou XVII, e seria enforcado na manhã seguinte, acusado de um crime que não cometera. Na cidade vizinha o governador, informado do engano, assina um documento ordenando sua imediata soltura. Acontece que as céleres horas da madrugada escoam pela ampulheta do tempo e o mensageiro a cavalo talvez não chegue antes da execução. A amada do condenado, disfarçada de religiosa, entra na cela e ambos procuram viver intensamente cada segundo que lhes restam juntos. Suas vozes, vestidas com palavras apaixonadas, ecoam tristes nos corredores gélidos da prisão. A peça finaliza com a figura sombria de um velho anacoreta, que pergunta: “- Chegará o mensageiro antes que o jovem inocente seja morto pelo carrasco?”. Ele foi salvo? Quem poderá dizer? Os espectadores? Os artistas? O autor da peça? Não. Ninguém tem a resposta. Deus? Leitores, deixem de besteiras. Que papel teria Deus em uma peça existencialista? Cai o pano.
A segunda peça era uma comédia: “O pintor que não era”. O prefeito de uma pequena cidade do interior, pretendendo desviar verbas, organiza um concurso de quadros, pretextando incentivar a cultura na região. Forma um júri convidando o padre, a delegada, o professor e outros personagens, convencendo-os a votarem em um pintor de araque sanfona para que todos possam se apoderar de uma parte do prêmio. Acontece que o filho do prefeito, um estudante muito esperto, descobre a safadeza e inscreve no concurso um amigo de faculdade, apresentando-o como um dos maiores pintores internacionais da arte contemporânea. O falso pintor concorre então com uma tela em branco, e vence o concurso. Afinal, como poderiam os jurados deixar de premiar um artista de tamanha reputação? Enxergam no quadro em branco uma verdadeira obra-prima e justificam seus votos com desculpas esfarrapadas. No final da peça, ao fazer a limpeza da galeria de arte onde ocorreu o concurso, uma faxineira inculta encontra a tela em branco no chão (o vento a derrubou) e a joga no lixo, nela não vendo valor algum. Esse gesto simples de uma pessoa humilde desvela toda a hipocrisia que mora na alma da elite podre daquela cidadezinha. Cai o pano.
A terceira peça era... Ora amigos leitores, percebo que infelizmente meu espaço acabou. Então... cai o pano.
PROF. GILBERTO TANNUS

Nenhum comentário:

Postar um comentário