segunda-feira, 4 de outubro de 2010

INFÂNCIA DESRESPEITADA

Médico da USP orienta
professores e profissionais
de sáude a detectar
maus-tratos com crianças


Os maus-tratos praticados contra crianças e adolescentes constituem um grave problema na so- ciedade. Os crimes na infância são os mais abomináveis, porque as crianças são seres indefesos. A Delegacia de Defesa da Mulher de Taquaritinga (DDM) constata que o número desses casos dobrou. O ano de 2009 começou com o registro de 3 boletins de ocorrência dessa natureza e terminou com 9. Nos nove primeiro meses de 2010, já são 19 crimes.
De acordo com a delegada titular da DDM, Célia Souza Reis, o crime de maus-tratos de crianças e adolescentes está previsto tanto no Código Penal quanto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). “O direito das crianças está cada vez mais assegurado. Nós relatamos o caso e mandamos para o Fórum local. Com o termo circunstanciado é muito mais rápido, as providências são tomadas com mais agilidade”, afirmou a delegada.
Ela disse que os pais abusam do método de correção, maculando a integridade física da criança. “As escolas, os professores, o Pronto Atendimento e até vizinhos chegam a nos comunicar dos casos, pois eles são os maiores observadores da causa. As crianças geralmente vão com hematomas para a escola e aí é onde nós somos acionados”, explicou Célia.
O assunto é sério e foi o foco da palestra ministrada pelo médico Marco Aurélio Guimarães, de Ribeirão Preto. Na manhã de quarta-feira (29), na Câmara Municipal, ele deu dicas valiosas sobre como identificar esses casos. O bate-papo foi dirigido especialmente para os profissionais das áreas de saúde, assistência social e educação.
Segundo o médico, é preciso aprender a ter olhos para ver o problema, porque existe uma reação, típica do ser humano: quando algo desagradável acontece, a pessoa prefere não ver. Se a lesão for acentuada e as causas apresentadas muito banais, é bem provável que exista um crime por trás.
Para Marco Aurélio, toda a agressão física é associada à violência psicológica. Dependendo da gravidade, pode ser um marco na vida da pessoa. “A criança hoje que sofre violência, amanhã pratica violência contra o ser humano”, observou o médico, que atua nas áreas de medicina legal e bioética na Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto.

No lar – Ele alerta que é preciso ficar atento, pois até ser zeloso e cuidadoso demais com o filho pode ser um indício. Seria uma máscara para esconder o acontecimento. “Hoje em dia falamos muito em fanatismo religioso, fachada de uma moralidade muito grande na família. Chega-se a encobrir o caso porque se diz estar possuído. Exageros têm que ser vistos com olhos bem abertos.”
Os mais observadores desse problema são os professores, porque passam mais tempo com as crianças do que os próprios pais. “Nem sempre a violência é cometida pelo pai ou pela mãe, mas pelos mais próximos. Temos de lembrar que a violência pode vir de qualquer lugar, mas a ponte continua sendo o próprio lar”, relatou.
Prova disso é uma pesquisa inédita realizada por professores do Departamento de Psicologia da USP. Ela mostrou que o número de casos de violência contra criança é maior do que as estatísticas divulgadas pelos órgãos oficiais.
A professora e psicóloga Maria Rezende Bazon estudou a violência doméstica contra crianças, que frequentam tanto escolas públicas quanto privadas, de 25 cidades da região. Em Ribeirão Preto, por exemplo, em média, 5,7% das crianças, de zero a dez anos, sofrem de maus-tratos. Sendo assim, de cada 100 crianças, seis convivem com o problema, ou seja, pelo menos um aluno por sala de aula sofre violência crônica repetitiva.
“Violência contra criança raramente é detectada, e não são tomadas as devidas providências. Por isso que é preciso acionar o Conselho Tutelar e a Polícia. Não tenham medo. No Brasil, quem denuncia uma coisa errada é chamado de dedo-duro. Em outros países, é um cidadão”, observou o palestrante, que esteve na cidade a convite do Conselho Tutelar, do Conselho dos Direitos das Crianças e Adolescentes e da Promo-toria de Justiça.

Nada de tapinha – A lei que proíbe palmadas repercutiu rapidamente entre os brasileiros. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encaminhou para o Congresso Nacional o projeto de lei que coíbe a prática do castigo físico. Para se tornar lei, ela ainda tem de ser aprovada pelo Legislativo e voltar para a sanção do presidente, o que só deve acontecer em 2011, por conta do período eleitoral. A nova lei estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados sem palmadas e beliscões.
O médico fez questão de opinar sobre o assunto. De acordo com ele, as pessoas pensam que um tapinha pode ser corretivo, mas esse gesto significa também que agredir é permitido em certas circunstâncias. “Cria uma noção de que quem bate mais forte se impõe e não há diálogos, só se resolve pela força. Pensando pelo lado da não violência, realmente essa legislação representa um grande avanço”, exclamou.
Para Marco Aurélio, o ideal é que não fosse necessária uma lei para tipificar a palmada como crime. “Meu medo é a ocultação da violência e que ela seja dentro de quatro paredes, sem testemunha. Na prática, pode ter um efeito colateral, pois não teremos elementos para calcular qual vai ser o resultado final”, completou.
NATALIA GALATI

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