segunda-feira, 28 de junho de 2010

A PEDRA DO MAL

Considerada uma das drogas mais devastadoras, o crack é cada vez mais consumido por viciados de todas as classes sociais, escolaridade, idade e regiões do país. É uma droga de alto risco, pois pode levar ao vício após a primeira tragada.
Em Taquaritinga a incidência de apreensões do crack vem crescendo. Em pesquisa realizada pelo NJ, dos quase cem boletins de ocorrência feitos de janeiro a junho na Delegacia de Polícia, 85% são de tráficos de entorpecentes. O restante é de furto, de ameaça, de porte ilegal de armas, entre outros ocorridos.
Só nas duas últimas semanas, no Jardim São Sebastião e no Residencial Francisco Romano, seis adolescentes – quatro meninos e duas meninas – foram surpreendidos com crack e quase dez rapazes em flagrante, sendo um com 105 pedras. Em 2009, 81 casos de tráfico envolveram menores.
Segundo o delegado Claudemir Aparecido Pereira da Silva, até o mês de março não se apreendia menores envolvidos com o tráfico de drogas na cidade. Apenas era feito o boletim de ocorrência e posteriormente encaminhado-o para a promotoria da Infância e Juventude, e assim o menor era liberado para um responsável legal. “De março pra cá houve um entendimento de que havia a necessidade de prender os menores em flagrantes porque a incidência do envolvimento deles com o tráfico de entorpecentes estava aumentando e hoje eles são encaminhados para a Vara da Infância e Juventude e o juiz decide a custódia ou não do menor. Na maioria das vezes eles têm confirmado envolvimento e são encaminhados para a Fundação Casa.”
Já os maiores que estão sendo presos, são condenados, em seguida é instaurado o processo no Fórum e ao final o juiz decide a prisão ou absolvição do acusado. “O maior é preso em flagrante e levado para a cadeia. A pena do tráfico de drogas varia de 5 a 15 anos, mas a pena pode cair.”
Para o delegado, o crack é uma droga barata e atinge na maioria, pessoas mais simples. Essas pessoas acabam, para sustentar o vício, muitas vezes sem emprego, com dificuldades financeiras, entrando no tráfico de drogas, porque como a droga é barata eles conseguem um pouquinho de dinheiro para comprar, revender e sustentar o próprio vício e isso é considerado tráfico.
O crack é feito a partir de uma mistura de cocaína com substâncias altamente tóxicas, tem o custo baixo, em torno de R$ 5 e é muito fácil de ser encontrado. Essas facilidades, aliadas ao efeito no organismo, são os principais fatores que levam ao vício.

Dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostram que 30% dos dependentes de crack morrem antes de completar cinco anos de uso. O diretor de tratamento da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, Leonildo de Oliveira, conhecido como Léo, afirma que há oito anos, 100% dos internos são usuários de crack. “Tudo isso é um acontecimento nacional. Eu dizia há uns 10 anos que Taquaritinga era uma ilha cercada de crack e ela ia ser inundada e já foi nos últimos tempos.”
Léo diz que já são 30 anos trabalhando com dependentes químicos. “Há 10 anos passou um moço pelo horto que hoje ele é professor na PUC em São Paulo, trabalha em um dos escritórios melhores da América do Sul, outro passou pelo horto há 15 anos e hoje é psicólogo de uma multinacional, então a gente vê os frutos colhidos”, exclama.
Para o diretor, o que mais lhe assusta nos próximos anos é que o mundo vai começar a consumir as drogas sintéticas, como já existe na Europa o excstasy líquido em que quatro gotas no suco de laranja da efeito de droga, e pode chegar a 36 horas de alucinação. A maconha líquida que já existe também. “Então essas drogas que dão muito volume, como a cocaína, o crack, vai desaparecer. O crime organizado tem 10% do PIB do planeta, então tem cientistas pesquisando novas drogas e nós vamos viver uma fase de drogas sintéticas muito agressivas que vai acabar com a morte de muita gente.”
R.O.F., 29 anos, está internado no Horto de Deus há 7 meses e 23 dias e é de Taquaritinga. É pai de um menino e já se casou três vezes. Na época ele chegou a furtar para sustentar o próprio vício. “Aos 16 anos quando comecei a sair de casa foi que eu descobri o mundo, comecei a beber, fumar maconha, usar cocaína. Aos 18 anos casei e devido ao vício o casamento não durou, foi uma decepção muito grande. Me afundei mais nas drogas. Depois me casei de novo e fui pai, mas devido ao uso de drogas também não deu certo e fui tocando minha vida sempre sozinho, perdido no mundo. Aos 24 anos conheci o crack e acabou de desconsertar tudo. Perdi o amor na minha própria mãe, do filho eu não lembrava mais. Estava virando um andarilho com 28 anos de idade, perdi a terceira esposa. Até que um dia minha mãe chegou pra mim e falou, você só tem eu. E foi a partir daí que eu comecei a buscar tratamento, ajuda. Hoje, depois de sete meses aqui no Horto eu consegui conquistar a esposa novamente, conquistar a confiança da minha família. E hoje o mais importante da minha família é me manter limpo. Um caso que aconteceu na minha vida foi que eu perdi meu pai e eu tinha 11 anos, devido ao uso de drogas ele morreu de overdose e mesmo assim é um exemplo dentro de casa, mas eu já nasci assim. A recuperação pra mim é muito gratificante, agora que eu sinto a vontade de viver novamente, porque eu cheguei num ponto que não tinha mais roupa para vestir. Eu sempre trabalhei, eu sempre sustentei meu vício. No final, uns seis meses antes de eu ser internado eu comecei a fazer uns furtos e foi aí que eu vi que não dava mais pra mim. Cheguei a furtar para sustentar meu próprio vício. Hoje o crack está destruindo toda a juventude, ele não escolhe raça, idade e nem cor. Só quero conquistar coisas novas na minha vida e passar a mensagem para o próximo.”

Os dependentes químicos podem levar anos para superar o vício e estão sujeitos a recaídas, mesmo depois de muito tempo sem usar a droga. Especialista em dependência química pela Unifesp, a psicóloga Michelle Davoglio diz que após desenvolver a dependência química a pessoa enfrenta conflitos como mental, físico, espiritual e social, além da perda de seus valores morais e éticos. “Para se ter uma ideia, o crack tem um poder de vício de 5 a 7 vezes maior que a cocaína, o que ajuda que a dependência se constitua em pouco tempo no organismo”, afirma a especialista.
Ainda não há tratamentos e nem remédios que impeçam que o usuário volte a fumar as pedras. “O principal tratamento ainda é o uso de estraté-gias para mudança comportamental. Para a recuperação envolve muito esforço por parte do dependente e da família. É preciso ficar claro que precisa haver uma mudança de vida, ou melhor, uma escolha de vida”, esclarece Michelle.
T.A.M., 26 anos, está internado no Horto de Deus há 7 meses e 23 dias e é de Taquaritinga. É pai de duas meninas e tem mais três irmãos dependentes químicos. No final do mês ele conclui o tratamento e receberá alta. Ele viveu o mundo das drogas durante 13 anos, período em que cole-cionou grandes perdas materiais e sentimentais. “Perdi família, casa e foi quando eu resolvi entrar no grupo de apoio. E hoje o que eu mais tenho vontade é de viver de novo, acreditar na minha espiritualidade pra manter o corpo bem. Minha sobriedade é o que mais tem valor. Quero dar alegria pra minha mãe, viver em família, com a minha esposa e cuidar das minhas duas filhas. Quero conquistar tudo o que era meu de novo, ter uma religião que eu nunca tive. Hoje sou 90% mais calmo. Eu fui ajudado e agora sou eu que quero ajudar o grupo de apoio, fazer pelos outros.”
NATALIA GALATI
Publicado no Nosso Jornal em 26 de junho de 2010

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