sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pai rico, filho nobre...

Quando eu era criança, Taquaritinga era pequena. Provinciana. Todas as famílias se conheciam. Conviviam lado a lado: amando-se, suportando-se ou odiando-se. Entre as casas, não havia muros, apenas cercas. De madeira ou bambu, onde trepadeiras de chuchu espreguiçavam-se ao sol da manhã ou banhavam-se, sedentas, com as gotas da chuva de uma tarde de verão. No céu, um arco-íris, distante, gigantesco, transparente. Se chegássemos ao fim dele, garantiam-nos os mais velhos, encontraríamos um pote com ouro. Por que o arco-íris tem a forma de um arco?, perguntávamo-nos. Ninguém sabia a resposta. Tão bom o mistério, a magia, o encanto do universo infantil – construído com as pedras do desconhecimento completo das causas dos acontecimentos, das leis da natureza, do porquê das coisas e de tudo o que nos cerca. Hoje, temos o Google.
Bêbados ou drogados, muito poucos havia. Contava-se nos dedos os “maconheiros”, geralmente da classe média alta. Todos os toleravam, pois suas famílias eram influentes. Para o bem e para o mal. Nas ruas, uma ou outra motocicleta. No rádio ouvíamos músicas da Jovem Guarda. Os garotos usavam cabelos compridos; os “brotinhos”, minissaia. E botas, de couro, cano alto. A gíria? “É uma brasa, mora!”.
Os programas de TVs eram em preto-e-branco. Além da Imaginação, transmitido após as 22 horas dava medo que só vendo. Ao deitar na cama, na penumbra do quarto, enfiava a cabeça debaixo do acolchoado, para poder dormir. Nem a imagem de Nossa Senhora (gravura colorida, iluminada por uma lampadazinha vermelha, pendurada por um barbante na parede de cor amarela, pintada com cal) conseguia tranquilizar-me.
Pergunto-me, onde os nomes, onde os sobrenomes das famílias que se destacavam em nossa cidade, pela riqueza, pelo poder, pela cultura, pela educação, etc? Enfim, a elite, no bom sentido da palavra. Onde os “melhores”, onde a aristocracia? Recordo-me: não tínhamos faculdade e os filhos dessas famílias (que desejassem seguir os estudos superiores), eram obrigados a sair de Taquaritinga. Dificilmente retornavam. Encontravam empregos na “cidade grande” e ficavam por lá mesmo. Será essa a explicação para a decadência – ou desestruturação, como preferirem – do mando daquelas antigas famílias taquaritinguenses? Ou teremos de buscar no crescimento demográfico de nosso município as razões últimas desse fato sociológico? De vinte mil, Taquaritinga passou a abrigar mais de cinquenta mil habitantes. É gente que não acaba mais. Novos bairros incharam a cidade, trazendo-lhe mil e um problemas que antes não enfrentava. Nem em sonhos.
Mas, afinal, onde os sobrenomes das famílias tradicionais? Os filhos, parece-me, não souberam ou não tiveram competência suficiente para, nem ao menos, manterem no mesmo patamar as conquistas econômicas, culturais, etc., de seus pais. Quanto mais acrescentar, aos bens herdados, algo por eles mesmos obtido, às custas do suor do próprio rosto. Aplicar-se-ia, nesse caso, o provérbio “Pai rico, filho nobre, neto pobre?”.
PROF. GILBERTO TANNUS
Publicado no Nosso Jornal em 22 de maio de 2010

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